“O que eu te quero dizer…”
Já alguma vez sentiu que tinha muito para dizer e não sabia como?
Já alguma vez pensou que pudessem expressar por si, o que você sente?
Já alguma vez pensou em oferecer como prenda uma história por escrito, numa máquina de escrever, à antiga?
Pois bem, se nunca pensou nisso, o André Pereira chegou para o surpreender. Um escritor multifacetado que faz das histórias um dos seus ofícios, e escreve cartas a pedido. Esta semana vai voltar a pisar o palco com os Comedy Pack, na Guilherme Cossoul e nós fomos conversar com o mentor do projeto: “O que eu te quero dizer“.
Como nasceu o teu bebé “O que te quero dizer”?
Tudo começou com uma outra ideia minha que consistia em escrever retratos. As pessoas sentavam-se à minha frente e eu escrevia, num parágrafo e numa máquina de escrever, o que via: com base nos traços físicos, tentava sempre encontrar alguma brecha para sítios onde estivessem emoções. Foi um sucesso. No entanto, julguei que poderia ir mais além e, em vez de me cingir à procura dessas emoções, achei que poderia ser eu a provocá-las através de algo que eu gostasse de dizer. Foi aí que nasceu a ideia de escrever cartas, também escritas à máquina e únicas, sempre diferentes.
Já deixaste coisas por dizer a alguém?
Claro. Nunca digo tudo. Por vergonha, por cobardia ou por falta de tempo.
Escreves as tuas cartas numa máquina de escrever. Acreditas que o revivalismo que vivemos nos devolve ao nosso centro? As tuas cartas podem ajudar nesse sentido?
O que “nos devolve ao nosso centro” é o acto de sentir. As cartas que eu escrevo fazem, em primeiro lugar, com que eu sinta e, em segundo (se tudo correr bem), com que a pessoa sinta. São esses os meus únicos intuitos: sentir e fazer sentir.
Porque é que deixámos de escrever cartas? E porque voltaremos a escrevê-las?
Deixámos porque dá trabalho. E, sinceramente, acho que não vamos voltar a escrever cartas. Ainda bem. Assim, escrevo-as eu.
É mais fácil sentir do que escrever, o que se sente?
Sentir é facílimo. Estamos sempre a sentir. Escrever o que se sente é outra história. Há sempre a barreira da linguagem. Acho impossível escrever o que se sente, mas dá para chegar lá perto.
Qual foi a carta que escreveste a pedido que mais te marcou?
O que te quero dizer tem duas variantes: uma, frente a frente, em que eu escrevo o que quero dizer à pessoa; outra, de longe, em que a pessoa me encomenda uma carta a alguém (“escrita por André, sentida por Ana“). Neste último caso, já escrevi cartas para crianças, namorados, pais, avós, noivos… Mas a que mais me marcou talvez tenha sido um pedido de casamento de um rapaz à sua namorada. Tinha tudo para ser um miminho romântico (e foi), mas estava ensombrado pelo facto de ela ter cancro. Foi uma carta tramada de se escrever.
Expressar para mais tarde recordar. O que recordas da tua infância que te tenha inspirado a escolher o caminho da escrita?
Não faço ideia. Sei que, naqueles dias especiais, como os aniversários, o Dia da Mãe ou o Dia do Pai, eu não oferecia pedras nem desenhos, escrevia. Sempre fiz isso. Adorava e não me dava trabalho nenhum. E ainda hoje o faço.
Para além de escritor, trabalhas como jornalista, argumentista, copywriter e ainda performer. Como conjugas todos estes talentos? Achas que a tua geração se sente mais limitada ou potenciada para seguir os seus sonhos?
Não sei se são talentos, mas são coisas que eu adoro fazer. E isso é o mais importante. Isto de seguir os sonhos é muito bonito, mas nem toda a gente tem essa possibilidade. O Bob Marley ou o Paulo Coelho podem ter muitas frases lindas sobre os sonhos e tal, mas é tudo treta. Temos de lutar por aquilo que nos faz feliz, claro, mas há sempre condicionantes à nossa volta. Sempre. Às vezes dá, outras vezes não.
Hoje dia 19, voltas ao ativo com os Comedy Pack, na Guilherme Cossoul. O humor é uma arma educativa? Fala-nos um pouco deste vosso projeto.
Arma educativa? Nada disso. Quer dizer, só se for daquelas pistolas que têm uma bandeirinha às cores a sair da culatra. Arma educativa é um chicote nas costas de quem faz dinheiro com o humor roubando ideias a outros, por exemplo. Nesse caso, o chicote acabaria por ser uma arma educativa. Com graça. Em relação ao regresso, estamos dias 19 de Maio, 2, 16 e 30 de Junho, 14 e 28 de Julho na Sociedade Guilherme Cossoul, em Santos, às dez da noite. Somos sete tipos (quase oito, porque um é gordo) que gostam de fazer humor e acham que têm jeito. Os bilhetes são uma pechincha: cinco euros. Está tudo aqui.