O projeto Fado Reguila é levado a cabo por um trio muito especial: Ana Henriques, Miguel Alvarez e Luís Oliveira. Tudo começou em 2012 aquando um convite feito pelo Oceanário de Lisboa para a conceção de um programa musical para bebés. Numa das reuniões nasceu a ideia de Fado. Os artistas, se por um lado, consideraram adaptar este estilo a camadas tão jovens um belo de um desafio, por outro lado, fazia todo o sentido na altura, tendo em conta a formação profissional dos músicos fora do meio musical, já que dois deles são psicólogos.
Começou então a ser criado o “Fado Miudinho”, dedicado à temática “Oceanos”, dirigido a crianças até aos 4 anos e ainda hoje em cena nos primeiros e terceiros domingos de cada mês no Oceanário de Lisboa. Paralelamente, nasceu o “Fado Reguila” concebido a pensar na cidade de Lisboa, uma aventura pelos bairros castiços da cidade, para ser apresentado ao público em geral e especialmente crianças até aos 6 anos, com um programa especial para reguilas em creches, jardins de infância, ensino básico e pré-escolar.
A entrar quase no mês do dia da criançada, esta semana fomos conversar os Fado Reguila, que irão relançar o seu projeto no dia 30 de maio, sábado, pelas 14:30, na Feira do Livro. Aproveite para fazer um programa diferente com a família, viver o Fado da cabeça aos pés e dignificá-lo com a atenção merecida.
Qual é, na vossa perspectiva a importância de comunicar o legado do Fado aos mais novos?
É mesmo muito importante, o Fado faz parte da identidade e história do nosso povo. Pretendemos que o gosto pelo Fado seja “semeado” precocemente nas próximas gerações, despertando nos bebés (e edificando nos mais crescidos que os acompanham) o interesse pela cultura portuguesa, por Lisboa e pelo Fado, em Portugal e, quem sabe, no estrangeiro, pois gostaríamos muito de chegar aos “reguilas” das comunidades emigrantes. Queremos continuar a “mimar” e brincar a imagem do Fado e da cultura Fadista, com muito respeito, mas de forma marcadamente lúdica e pedagógica, estimulando musicalmente os bebés e estreitando laços entre gerações, comunidades e instituições.
Quais são os maiores objetivos do Fado Reguila?
Este é um projeto que visa, de uma forma simples e lúdica, apresentar aos bebés e a crianças até aos seis anos de idade, as sonoridades, o vocabulário e a cultura próprios do Fado, é composto por sessões/espetáculos interativos de 45 minutos que para além de conterem sons/ritmos e vocalizações (tendo em conta o público-alvo mais pequeno), são dotadas de coreografias e poemas sendo “fadistada” uma aventura pelas ruas de Lisboa. Um regresso ao passado da capital, com personagens típicas, numa encenação musical mágica mas ao mesmo tempo cultural, informativa e pedagógica, em que todos se divertem e participam.
A ideia sempre foi abrir portas para um a maior interesse por Portugal e Lisboa contribuindo para a divulgação e consumo de Fado. Este património imaterial (também) da humanidade, tão rico em História e em poetas, compositores e intérpretes lusos. No fundo, partilhar esta envolvência cultural tão afetiva e… tão nossa.
É de pequenino que se torce o pepino, neste caso o Fado? A música potencia o crescimento do ser humano?
O contacto precoce com a música favorece a organização integrada de sons, movimentos e emoções e promove a expressão criativa, mesmo antes de existir pensamento e linguagem. Uma vez que é maioritariamente experienciada e partilhada na relação com os outros (pares e cuidadores) atua como (mais uma) pedra basilar para a aquisição de competências cada vez mais complexas, ao longo do desenvolvimento, bem como, para a educação formal/cognitiva/cultural das crianças. Na nossa equipa temos dois psicólogos clínicos, com uma vasta experiência em Ludoterapia e pedagogia (Eu e o Miguel Alvarez) e além disso o Miguel é também Musicoterapeuta, pelo que tudo aconteceu muito naturalmente.
Como podem as tradições, ser um modelo no que diz respeito à educação de uma criança? Como ludoterapeuta Ana, considera a tradição um veículo importante para a construção de raízes mais coesas?
Para além das salas de espetáculos, bibliotecas e outras instituições, deslocamo-nos também a colégios, creches, jardins de infância e escolas, pois pretendemos levar o nosso Fado a todos os reguilas, promovendo competências rítmicas, melódicas, auditivas e de desenvolvimento psicomotor através da dinâmica marcadamente lúdica que flui ao longo de todo o espectáculo. Sem dúvida que no Fado, tal como nas tradições/cultura de um povo, encontramos uma sensação de pertença ímpar, associada a valores e princípios fundamentais à construção da identidade.
Existe ainda o preconceito de que o Fado, é uma canção fatalista e triste. É possível desmitificar esta ideia, neste vosso projeto? É possível brincar ao Fado?
Claro que sim, no Fado partilham-se estórias, conta-se e canta-se a vida através de poemas, ou seja, funciona como um catalisador de experiências e emoções sentidas como “boas” e outras não tão agradáveis, pelo que não tem que ser apenas melancólico, triste e/ou fatalista. Desde que feito com respeito, tudo é “brincável”, “Brincar” é coisa muito séria, é a linguagem que as crianças melhor entendem, um veículo de aquisição de conhecimento e desenvolvimento poderosíssimo, para além de terapêutico.
Vão relançar em breve o vosso projeto, com a integração de um novo elemento, o Luís Oliveira. Querem contar-nos mais sobre isto?
Este evento vai acontecer no dia 30 de Maio, pelas 14:30, na feira do Livro, é de entrada livre e representa uma “amostra” das actividades que fazemos. Serve também para promover o nosso espectáculo de dia 6 de Junho, na Biblioteca Orlando Ribeiro (pelas 16:00).
Estamos também a preparar um novo “projecto dentro do projecto” sim, este dirigido às camadas mais velhas (pré-adolescentes e adolescentes) onde os desafios e temáticas são diferentes, mas ainda não está apresentável ao público, estará para breve.
Como tem sido a reação dos miúdos e graúdos?
As reacções de miúdos e graúdos têm sido muito engraçadas, na nossa zona “VIP Reguila” (colchões coloridos) já tivemos bebés a tentar “abocanhar” os adereços e trepar para cima dos músicos. Crianças habitualmente mais agitadas (observação das educadoras) a ficarem fascinadas (muito concentradas e serenas durante o espectáculo) e crianças mais velhas a fazerem observações e questões muito curiosas sobre Fado. Temos tido vários pedidos (especialmente por parte de pais e educadores) para gravação de um CD mas ainda não obtivemos os fundos necessários para a concretização do mesmo, de qualquer modo, estamos a trabalhar para isso. A reacção dos fadistas que conhecemos ao tomarem conhecimento do projecto tem sido muito simpática, acham-no muito interessante e que, tal como pretendemos, dignifica o Fado (uma das quadras do último Fado é “em nome do fado e de cada fadista, um muito obrigado, adeus e até á vista”). O Fado Reguila é… o Fado de todos nós! É o Fado dos bebés, dos pais, dos manos, dos avós!