Em 2015 fazem precisamente 100 anos que a Ode Triunfal foi publicada no 1 da revista Orpheu. Como tal, esta data não poderia passar despercebida e a peça Galgar com tudo por cima de tudo, volta a estar em cena no coração de Lisboa, no Teatro da Trindade, numa breve apresentação de três dias: 13, 14 e 15 de Fevereiro.

A Magazine mais uma vez quis estar presente nesta data especial e foi aos bastidores desta peça, que é o resultado da engrenagem de um trabalho de equipa entre o seu criador e encenador João Rosa, e Catarina Gonçalves, a actriz que protagoniza uma possível heroína Ofélia, já que estamos no universo Pessoano.

Debora Ribeiro

Como é o processo de incorporar no corpo de uma mulher, esta Ode Triunfal, que tem muito de fálico, e do universo masculino?

Catarina Gonçalves: É desgastante. Esta personagem exige-me uma energia frenética, exige despir-me completamente de mim para me apoderar que estão sempre, constantemente entre dois estágios emocionais opostos: a agressividade e a sensualidade, a rigidez máscula e a subtileza femenina. Encontra-se esta Ofélia para dar vida ao lado feminino de Àlvaro de Campos. Este texto é marcadamente repetitivo, mecânico, que remete para um universo muito masculino, que fala de motores, de velocidade, é um canto do progresso, das máquinhas, da sociedade industrial. Como é um texto que remete tanto para os motores, para as máquinas, quase para a repetição, a personagem entra quase num estado de cansaço, de desalento. É nesse desalento que o lado feminino surge, porque ela encontra a satisfação nas máquinas.

Debora Ribeiro

Como foi o processo de construção da personagem?

CG: Neste espectáculo, a cenografia tem um papel muito importante e o processo de construção de personagem agarrou-se muito a isso. É casar uma personagem com uma cenografia, que é extremamente difícil porque há peças que têm cenografias imensas, que enchem o palco todo, e depois a interacção do actor com a cenografia torna-se um bocadinho difícil. Aqui, é um processo uno, de simbiose. A estrutura simboliza a fábrica, uma máquina gigantesca que pode ser uma pessoa, e que ganha vida por vezes. O processo de construção passou muito por aí. Muito da construção de personagem está ali, naquele sobe e desce daquela estrutura. Os estágios emocionais alcançados são muito influenciados pelos sons, pelos fumos, pelo pó. Todas essas caraccterísticas ajudam a entrar no universo desta Ofélia.

João Rosa: Foi um processo em equipa desde o seu inicio. Até mesmo na montagem do texto. A essência é a Ode Triunfal, mas estão integrados excertos da Ode Marítima por exemplo. O objectivo também foi criar a metamorfose. Queria que Fernando Pessoa e Àlvaro de Campos entrassem em conflito e depois o conflito passasse a ser entre Álvaro de Campos e esta mulher, a que chamámos Ofélia, por nos localizarmos no universo Pessoano. A fusão de todos os textos utilizados em palco, deram vida a esta metamorfose.

Debora Ribeiro

Como a Catarina referiu, na Ode Triunfal reina a repetição e uma cadência algo mecânica. Foi o cenário uma peça fulcral para uma maior dinâmica com o público?

JR: A estrutura tinha que se ajustar à Catarina e vice-versa, de forma a que ganhasse vida, e não fosse apenas um conjunto de tubos e andaimes. Na verdade, estes instrumentos passam a ganhar vida, sempre relacionada com o texto, com Àlvaro de Campos. Entra essa fusão de ideias, e cria-se essa dinâmica, porque a pergunta que imperou no início foi: “como é que vamos fazer isto de forma interessante e dinâmica?”. E pensamos nisto como se estivéssemos a fazê-lo para miúdos.

CG: Hoje em dia fazem-se milhentas coisas sobre Àlvaro de Campos, Ricardo Reis,  Alberto Caeiro ou Fernando Pessoa, mas será que se abrange o público jovem? Aquele que tem de se agarrar e conquistar? Cabe-nos a nós que estamos envolvidos na arte, criar novas maneiras mais apelativas de se perceber poesia. O texto poético pode ser maravilhoso e “pode-se agir o poema”. Eu não recitá-lo, eu não quero declamá-lo, eu quero sentir e viver este poema genial. O poeta recorre maravilhosamente a uma série de figuras de estilo que exprimem a sua genialidade, como as onomatopeias para imprimir velocidade, sonoridades que transmitem ao leitor e aos espectador velocidade do texto, que está sempre remeter-nos para os automóveis, as maquinas, os motores. É genial. Toda esta cenografia que o João criou, é também uma busca de novas maneiras de pôr em palco as palavras de pessoa.

Debora Ribeiro

Poderá esta peça ser considerada também uma afirmação da mulher?

CG: Porque não? Porque é que o universo de força, porque são máquinas pesadas e estrutura visualmente é uma coisa muito grande, porque é que tem estar somente associado ao masculino? Cabe perfeitamente ali uma mulher, e uma mulher com força, com vontade, com dinâmica, com desalento, com sensualidade.

Esta homenagem ao nosso Álvaro de Campos, construída numa base inovadora, e com o intuito de levar mais longe e a mais pessoas o universo Pessoano, estreia este fim-de-semana no Teatro da Trindade, em Lisboa. E exactamente por quererem expandir a palavra deste autor tão nosso, alguns excertos da peça são legendados ao vivo, em palco.

Horário: 13, 14 e 15 de Fevereiro, sex e sáb às 21:30, dom às 16:00

Morada: Teatro da Trindade, Largo da Trindade, 7-a, 1200-466 Lisboa

Debora Ribeiro

Fotografias de Debora Ribeiro.