Gerador: mais do que uma revista, um movimento de inclusão sociocultural


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Surgiu em julho do ano passado e nunca mais fomos os mesmos. O Gerador desconstrói, desenforma e surpreende. Se a cultura estava até agora classificada em “caixinhas”,  este movimento Gerador nasce como descodificador das artes e catalisador da sua compreensão e usufruto.

“As pessoas muitas vezes precisam de ser apanhadas fora do contexto. A partir daí, quando percebem que afinal a cultura não é assim tão elitista, deixam-se encantar. Nós não modificamos nada em nenhuma obra, mas pegamos em determinadas peças e colocamos no sítio certo, onde provavelmente as pessoas já estão. Assim, o processo de acesso a cultura torna-se muito mais fácil.” Tiago Sigorelho

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O Gerador é uma associação sem fins lucrativos que se caracteriza por ser uma plataforma de ação e divulgação da cultura portuguesa. Subdivide-se em duas dimensões: comunicação e iniciativas. Foi fundada por um trio de amigos e companheiros de viagens profissionais várias: Miguel Bica, Pedro Saavedra e Tiago Sigorelho. Os três juntaram-se à esquina não para tocar a concertina, mas para engendrarem um grande veículo de comunicação da cultura portuguesa. Ora, porque se o público não vai ao teatro, o teatro vai o público e por aí em diante. É assim que o Gerador age: descontextualiza, desconstrói, vira do avesso e leva a cultura portuguesa portas e olhos adentro.

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Tal como se viu acontecer no último evento Trampolim Gerador, na Praça São Paulo em Lisboa, em que estabelecimentos comerciais se tornaram mini-salas de espetáculos, cinema ou de exposições. Durante cerca de um ano, os três andaram Portugal de lés a lés, a descobrir o que andava a acontecer. Contataram entidades artísticas, vários autores e marcas. Desde os queijos tradicionais, às tapeçarias ancestrais ou à arte urbana que acontece nas grandes cidades, o Gerador não quer deixar nada de fora! É um movimento que se estende de norte a sul do país, até às ilhas. A sua materialização surge assim numa revista trimestral, cujos temas passados foram respetivamente: “Declarações de Amor”, “Sobre os números dois” e “Vidas Novas”. A próxima será lançada já este mês, no dia 24 de abril e sob a alçada do tema “Subúrbios”.

A Magazine foi conversar com os três fundadores do Gerador e descobrir todos os seus sonhos: os concretizados, e os que estão ainda por realizar.

“A cultura é sexy.” Tiago Sigorelho

Como é que vocês os três se encontraram e como evoluiram para este projeto?

Tiago Sigorelho: Eu era o Diretor de Estratégia de Marca da PT. Um dos projetos era a PT BlueStation na estação de metro Baixa-Chiado. Quando este projeto arrancou, a PT contratou uma agência para produzir um evento por dia. Nessa agência trabalhava o Miguel Bica, coordenador do projeto, que produziu cerca de 700 eventos em dois anos e meio. A certa altura o Miguel teve necessidade de alguém que fizesse a programação a um nível mais artístico e foram buscar o Pedro. Fomo-nos conhecendo neste trabalho, e chegamos à conclusão que poderia ser interessante largarmos tudo e embarcarmos na viagem do Gerador. A revista foi lançada a 17 de julho do ano passado e foi o nosso primeiro momento sério de materialização.

Miguel Bica: Esta decisão vai fazer agora dois anos, sendo que o Gerador tem agora 8 meses. O Tiago apresentou-nos uma proto-ideia já com o nome “Gerador”. Os pressupostos já estavam definidos e fomos trabalhando ao longo de um ano dentro desse desafio. Depois foi pôr em prática a ideia. A declaração de intenções foi esclarecida logo desde muito cedo.

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Porquê a urgência da criação de um movimento como o Gerador?

Tiago Sigorelho: Existe tanta gente em Portugal com uma capacidade brutal a nível artístico e não só, entidades também que produzem imenso trabalho, que nós sentimos que tínhamos um dever de conseguir agregar todos esses autores e tentar dar-lhes visibilidade e apoio financeiro, para que possam continuar a fazer o seu trabalho.Esta foi a primeira premissa, mas depois houve outras dimensões que para nós também eram importantes. Nós preocupamo-nos muito com a perspetiva educacional, e cada vez mais os portugueses precisam de ter mais atenção à educação, para serem mais críticos, mais autónomos, para serem seres mais pensantes. Uma das coisas que nós consideramos fundamental como arma de educação, é a cultura.

Como fazer chegar cultura a toda a gente?

TS: Durante muito tempo a ideia da cultura era uma ideia muito elitista, em que reinava o preconceito de que só alguns é que tinham capacidade de a entender. O nosso primeiro grande objetivo é desmistificar esta ideia. A cultura é identidade, a cultura serve todos nós, e nós no limite somos todos produtores de cultura. Se tudo o que é identidade é cultura, então um sotaque do norte é cultura, um doce conventual é cultura, alguém que produz um cesto de verga é cultura. Por isso tudo o que nos defina enquanto povo português é cultura. E não é preciso serem apenas as raízes, pode ser uma coisa atualíssima como a arte urbana. Hoje em dia lá fora, quando se pensa em arte urbana pensa-se numa série de cidades europeias que incluem Lisboa, onde este tipo de arte teve uma explosão brutal. Existem coisas a que outros lá fora, ou nós cá dentro nos ligamos. Isso é a nossa cultura, isso define a nossa identidade. Por exemplo, o Cante Alentejano que durante muito tempo foi considerado cultura popular básica, hoje está mais próximo de ser cultura clássica. Há uns seis anos passaria despercebido a um lisboeta ou portuense, e hoje em dia é Património da Humanidade.

O que é que mudou?

TS: Na nossa perspetiva mudou algo geracional, principalmente no que está relacionado às nossas raízes. O exemplo mais claro é o Fado. O Fado foi símbolo de um estilo político que não era o mais agradável. Depois do 25 de abril, o Fado continuou a ser associado a esse estilo. Durante um tempo havia um certo desconforto a ouvir este género musical. De repente surge uma geração nova, que nasceu em liberdade e que sem culpas, voltou a pegar no Fado. E isto estende-se a tudo. Por isso sim, está a haver uma fase nova de orgulho e de ligar àquilo que era tradicional português. Para além disso, a crise também fez com que olhássemos mais para as coisas que são nossas e termos orgulho nelas e estarmos mais dedicados à nossa própria produção e à nossa identidade.

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Como é que a revista Gerador, materializa o vosso conceito?

Pedro Saavedra: O nosso objetivo principal com a revista é sobretudo a identificação. Ou seja, para nós o que é importante, mais do que definirmos um público-alvo, é tentarmos que todos os tipos de leitores: de diferentes idades, localidades e interesses, se identifiquem com aquilo que estão a ler. Pretendemos que essa identificação provoque um impulso em quem lê.

Quais são as três intenções do Gerador?

MB: O Gerador é um projeto de cultura portuguesa, interessa-nos que seja para Portugal inteiro. Uma das nossas intenções é que o Gerador seja descentralizado, e que vá das ilhas ao Porto, à serra algarvia e por aí fora. Estamos a fazer isso, numa dimensão ainda muito aquém do que ambicionamos, mas já temos artistas que vêm dos vários pontos do país, e nós próprios já fazemos coisas em vários pontos do país. Acho que é uma das intenções que vai evoluindo. A segunda intenção é a descodificação da cultura. De que maneira é que conseguimos pegar em determinada ideia cultural e descodificá-la ao ponto de qualquer pessoa poder aceder a ela. Queremos conquistar por exemplo quem não vai ao teatro, porque os pusemos em contato com esta realidade num destino improvável. No Trampolim Gerador isto aconteceu. Tivemos teatro numa loja de roupa, artes plásticas na montra de uma farmácia e um chef  famoso na Praça das Flores. A terceira intenção é a acessibilidade, a vontade que nós temos de fazer as coisas de forma a que qualquer pessoa neste país, tenha acesso a uma atividade nossa.

Cada revista Gerador é um objeto de autor. Como fazem para manter uma identidade editorial?

PS: A revista tem de ter um tronco editorial idêntico. Se nós queremos que as pessoas leiam regularmente a revista não pode ser um fanzine em que de cada vez apresentamos as coisas de uma forma diferente. As pessoas têm de reconhecer o nosso tronco editorial, e isso tem sido um crescendo, até porque nenhum de nós tinha experiência anterior no âmbito editorial. Fomos falar com outras publicações no mercado que nos ajudaram, fomos de certa forma ouvindo muito e tentando provocar os leitores a darem-nos feedback. A revista em termos gráficos tem uma identidade diferente, mas tem uma alma comum. Nos conteúdos queremos evoluir para uma linha editorial em que esta ideia híbrida de termos autores e “opinadores” se consiga equilibrar entre os 60% e os 40%. Porque de facto há tanta coisa a acontecer no país, que nós temos de ter a capacidade de divulgar tudo o que está a acontecer. É um trabalho em progresso, e a vantagem de ser uma revista trimestral, é mesmo essa, dá-nos tempo de ver e rever as “miudezas”.

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Este é um projeto profissional que vos realiza pessoalmente?

TS: Agora tem sido ao contrário.

PS: Temos que ter um plano empírico de negócio que seja sustentado e que nos faça andar para a frente. O Gerador por enquanto é totalmente financiado por nós e é uma forma de continuarmos a fazer o que gostamos, e todas estas iniciativas para serem gratuitas ou muito baratas dão prejuízo. Daí termos outros projetos sob os mesmos valores que defendemos, que nos permitem equilibrar a sustentabilidade do Gerador. Nós acreditamos que é possível no meio da cultura ganhar-se dinheiro. Somos favoráveis para que se ganhe dinheiro, e que os autores recebam e não trabalhem pro bono (todos os conteúdos da revista são pagos). O nosso objetivo e tornarmo-nos auto-sustentáveis.

TS: Nós começámos por ter uma gaveta de ideias. À medida que vamos tendo mais folga financeira que vem dos nossos outros projetos vamos conseguindo fazer as coisas. O Trampolim estava na nossa cabeça desde o início, e ao fim de 7 meses concretizámo-lo. Assim como temos outras ideias. Já não temos uma gaveta, temos um T1 de ideias que gostávamos de implementar. A nossa fome agora é encontrar marcas que nos apoiem, pessoas que adiram para que todos os nossos sonhos possam ir para a frente. Fazemos um apelo aos leitores: participem, critiquem o nosso trabalho, entrem em contato connosco, enviem emails, vão ao nosso Facebook e mandem-nos mensagens. Temos recebido imensas cartas, emails e mensagens das pessoas, mas queremos receber cada vez mais. Boa parte do que fazemos na revista e no Trampolim, veio da iniciativa de pessoas que não conhecíamos e que vieram ter connosco. Provoquem-nos.

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Aqui fica o apelo desta gente bonita geradora para você fazer parte deste movimento! Este mês será lançada a quarta revista geradora, com o tema: Subúrbios. Cada revista custa 5€, mas ao tornar-se sócio, o que custa uma módica quantia anual de 25€, terá direito a todas as revistas durante um ano, acesso a descontos junto dos parceiros geradores e a constantes surpresas. Venha fazer parte da Cultura Portuguesa!

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